•11:51


Amanheci triste.
Fiquei pensando, por exemplo,
na tristeza de não ser ninguém.
De nascer num barraco,
de não ter pão, leite, brinquedos.

Quero dizer, vocês me entendem?
Não nasci num barraco,
nunca faltou pão
à nossa mesa ...
Por que, afinal,
estou triste ?

É que acontece cada coisa,
que a gente
não sabe explicar.
É o caso do filho
da Maria não sei de quê,
pois nem toda Maria tem sobrenome,
muito menos o filho sem nome da Maria.

Chamou pelo meu filho
e pediu
que espalhasse pelo chão
os brinquedos de matéria plástica:
eram carrinhos
de cores variadas.

O filho da Maria sem sobrenome
ficou de longe,
olhinhos miúdos, namorando
os automoveizinhos.
Não pôs as mãos. Apenas olhava.

Meu filho aventurou
uma pergunta: - Você quer um carrinho?
Houve uma pausa. Os grandes pedidos
são sempre precedidos
de uma pausa significativa.
É preciso pensar para decidir
com absoluta segurança.

- Qual você quer ?
Insistiu meu filho.
Ingênuo, simples
até no pedir,
ele escolheu o menor,
o mais feio,
aquele que poderia ser rejeitado,
posto assim de lado,
tanto quanto o filho da Maria.

Fiquei com pena do menino
que não tinha brinquedos,
que passava fome,
mas que era humilde, dessa humildade
sem pretensão, que inspira respeito,
que se lê pelo espelho dos olhos.

- Aquele ali tá bom!

Deus do céu,
faz dias
que venho pensando
que este mundo é muito triste,
que há muita miséria
e muita maldade também.

Deus do céu,
a impressão que a gente tem
é que tudo esta no mesmo.
Os filhos da Maria se multiplicam!
A Terra boa que tu criaste,
para ser um jardim,
transformou-se
nessa babel de confusão:
Guerra! Pobreza! Miséria!
Doença! Desarmonia!

Deus do céu,
se eu posso fazer
alguma coisa, ajuda-me!
Eu sei que estas preocupado
com o mundo dos homens,
e deves estar seriamente
aborrecido conosco.
Nós transformamos o Mundo
formoso que tu nos deste.
Não estamos ajudando
o nosso irmão.

Por isso, meu Pai,
amanheci triste,
simplesmente triste,
porque temos sido maus!.

Entretanto,
sabemos que tu nos amas.
Disseste e assim o tens decretado:
- Vinde a mim todos vós
que estás cansados
e eu vos aliviarei.

- Eu vim buscar
e salvar
os que se perderam
pelos atalhos da vida.

Senhor,
o teu chamado é um apelo:
- Vinde!
Senhor,
tu conheces somente uma lei:
A do AMOR!
Um só sentimento:
O do Perdão!

Senhor,
estamos necessitados de um milagre!
No coracão de muitos
perdura a ilusão
de que possas ser
encontrado numa rua
qualquer, distribuindo amor,
compreensão...
Mas não é assim que espero
te encontrar.

Eu sei que tu estás refletido
na aflicão
do meu irmão,
na angústia da mulher desnutrida,
que espera o filho e não tem berço,
nem roupa,
nem sapatinhos de lã...

Eu sei que tu estás
nos olhinhos minguados
da criança sem pão,
que é encontrada,
chorando, com fome
perto do fogão.

Eu sei que tu estás
nos passos vigorosos
de todo homem
que caminha semeando,
como quem canta uma canção,
de gratidão,
pela terra generosa
que recebe da grande concha
das mãos
os pequeninos grãos.

Eu sei que tu estás
nessas mãos
pejadas de sementes,
mas que, à tarde,
voltam vazias,
sem alimento,
para junto de alguém
que nada tem.

Eu suplico um milagre!
Um milagre do teu amor!
Eu suplico o milagre do transplante,
da mudança rápida
do nosso coração petrificado.
Eu quero amanhecer alegre
para escrever
uma nova história
sobre o filho sem nome
da Maria sem sobrenome.

Senhor,
um milagre!
Eu suplico um milagre!
Volta na viração da tarde, volta!
Volta agora, neste entardecer,
quando tudo parece tão confuso,
tão estranho!...

Volta nesta hora tenebrosa do mundo,
volta e realiza o milagre
da multiplicação dos pães
para os famintos da Terra.
Volta e ensina-nos o caminho
harmonioso da paz.
Volta, e cicatriza
a úlcera da fome,
que ainda tortura,
queima e consome.

Volta
e corrige os pais desumanos
que negaram as muletas
da paternidade
aos anjinhos sem nome.

Volta, senhor,
na viração do dia,
ou, se quiseres, ao amanhecer,
mas, Volta! ...
•11:28
A vida tem dimensões
de tal ordem, tal grandeza,
que o mundo das ilusões
duvida, não tem certeza.

Bendito quem sabe dar
um copo dágua, uma prece,
a quem pede pelo olhar
e pelo olhar agradece.


Os balões semeiam fogo,
os fogos semeiam morte:
ninguém deve pôr em jogo
a vida, a saude, a sorte.

A face oculta da gente
disfarça tanto, mas tanto,
que a gente pode sorrir
e, por dentro, estar chorando.

Se todos querem ter paz,
em qualquer lugar da terra,
por que se fabricam armas
que só servem para a guerra?


Quem constrói a sua casa
sobre areia movediça,
jamais se queixe da sorte
nem fique rezando missa.

Quem vive sempre zombando
da desgraça do vizinho,
desgraça esta semeando
ao longo do seu caminho.
A correnteza do rio
procura o trilho do mar:
na correnteza da vida
procure alguém para amar.
O toque da eternidade
que a gente traz ao nascer,
só se torna realidade
no momento de morrer.
Na vida há tanto mistério,
que eu mesmo não sei dizer:
desde o berço ao cemitério
tudo pode acontecer.

Quem disser que mata o tempo
e vive levianamente,
talvez morra e não descubra
que o tempo é que mata a gente.

A pele pode ser negra,
pode ser branca, o que for,
mas 0 sangue, 0 sangue mesmo,
o sangue é da mesma cor.
•11:21



O tempo esta prenhe
de angústia.
A terra estremece
e se contorce de dor.
Há lágrimas deslisando
pela face nua das nuvens.

A multidão
é um amontoado inexpressivo
de folhas secas agitadas pelo vento.

Uma semente
caiu na palma da minha mão.

Grito para a platéia
de folhas mortas:
é uma árvore!
Não tem folhas,
nem frutos,
nem sombras
mas é uma arvore!

Examino-a.
O futuro está
na palma da minha mão.

Esta semente
é 0 pão,
a mesa,
o catre,
o teto,
a lenha do fogão,
o cabo da enxada,
o sonho e a riqueza.

Quem me ouve?
A resposta é um ruído
prolongado de folhas
que se movimentam
no embalo
ou no desespero do vento.

Beijo a terra sedenta.
A multidão cambaleia
no paroxismo da fome.

Afinal,
de que vale uma semente
na palma da minha mão?...