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"Bendito seja o amor"
Quem sabe, ao cair da noite,
quando a pira
flamejante
do sol
já declinara
no plácido poente;
Quando as aves
assustadas
retornam para os ninhos;
quando os homens
voltam para casa
medindo com seus pés
0 comprimento das estradas.
Talvez mesmo
à hora cinzenta
do crepúsculo,
quando o dia
faz pausa com a noite,
que alguém tenha urdido
a trama vergonhosa
de confundir o meigo Nazareno...
................
Aos primeiros albores da manhã
Jesus já ensinava
no Templo
e procurava
exemplificar
o seu ensino
Sua voz era suave,
mansa
como o ciciar da brisa;
meiga
como a ternura meiga
da criança
que tem os pés na Terra
e o coração no Céu.
...................
De repente
a lei brandiu
irreverente,
a espada que apavora.
- De certo,
quem se diz Filho de Deus
há de fazer cumprir
o que se encontra escrito.
A lei
exige
severa
punição!
Enquanto
o amor,
humildemente,
suplica
absolvição!...
Naquele instante
tudo em volta
se tornara angustiante!
Ninguém sabia como acontecera,
tal o pânico estampado
em cada olhar!
- A lei! A lei!
Veremos como vai julgar!
Homens
de punhos cerrados,
babando
asquerosamente
a peçonha nojenta
das palavras,
gritavam:
- A lei! A lei!
Veremos como vai julgar!
E empurravam
para a direita;
e jogavam
para a esquerda;
e atiravam
para frente
uns trapos de mulher,
que ia
e vinha
tropegante,
sem amparo,
sem uma defesa
sequer!...
Dentro
dos seus conceitos
abjetos,
aqueles homens
julgavam-se corretos.
- A lei! A lei!
Veremos como vai julgar!
- Rabi,
falou
um defensor da lei -
esta mulher
fez-se maldita;
nós somos testemunhas
do mal que praticou.
Logo outro
esbravejou:
- Mestre,
esta mulher
não pode mais
viver
- Da nossa lei
um mandamento violou!
Viver não deve!
Por isso,
nas Santas Escrituras
Moisés prescreve
a pena
do apedrejamento!
Da multidão
vociferante
partiu um grito,
uma acusação:
- Adúltera!!!
Jesus estende
a mão
e logo
inclina o corpo
para o chão.
Não quer falar;
fizeram-no juiz
de um caso singular.
Jesus pensava:
"A sentença já foi dada
por Moisés..."
Alguém gritava:
- Que seja apedrejada!
- Que morra aos teus pés! ...
O Mestre
põe-se a escrever
alguma coisa na areia.
Houve silêncio!...
E o silêncio
de Jesus
caía como gotas de luz
no coração ferido
da pecadora.
Mas, na consciência
entorpecida
daqueles homens
inclementes,
o silêncio do Senhor
penetrava
em cada ser,
em cada vida,
quebrando,
quebrantando,
apelando.
Ninguém falava!
Apenas
uma mulher soluçava!...
Dos homens,
nem um gesto sequer
de bondade;
nem uma palavra boa
de caridade!
Jesus se ergue
um pouco
e mostra, dedo em riste,
aquele rosto triste
de mulher!
E, fixando
os olhos penetrantes
em cada coração,
serenamente
o Mestre compreende
que, em terra seca,
dificilmente medra
o gesto caridoso do perdão!
Depois
falou:
- Quem não tiver pecado,
quem for limpo
e puro
de coração,
atire a primeira pedra!
Em seguida,
inclinou-se
todo para o chão
e escrevia
sob o clarão
da luz
do seu amor.
De novo,
silêncio! . . .
Mas aquele silêncio
de Jesus
feria-os fundo
na alma!
Sentiam-se vencidos,
esmagados,
envergonhados!
Resolveram sair
na ponta dos pés.
Desistiram da sentença
imposta por Moisés!
Só Jesus e a mulher.
Ninguém mais!
Só Jesus e a mulher.
Ninguém mais!
- Mulher,
onde estão
os teus acusadores?
Ninguém te condena?
—Ninguém, Senhor!
—Ninguém!...
E o Mestre
se levanta
e estende os braços
e fala:
—Se ninguém
te condenou.
nem
a primeira pedra
atirou
eu, também,
não te condeno!
— Filha,
retira-te em paz!
Eu te ordeno:
Não peques mais!
E num supremo gesto de bondade,
abrindo bem os braços,
o Mestre amado
abençoou aquela
vida,
porque viu, ali,
representada
e necessitada
de perdão,
a pobre humanidade
decaída.
Jesus ficou sozinho.
Conservava os braços
estendidos,
enquanto um vulto
de mulher,
quase imperfeito,
perdia-se na curva do caminho
.............
No chão
coberto de poeira,
a silhueta
de Jesus,
tinha a forma da cruz.